“O Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo vem, por meio desta, repudiar veementemente as propostas apresentadas no “1º Fórum Brasil – Agenda Saúde: a ousadia de propor um Novo Sistema de Saúde”, ocorrido em 10/04/18, em Brasília, e organizado pela Federação Brasileira de Planos de Saúde, com participação do Ministério da Saúde, de deputados e senadores. Soma-se, assim, aos protestos de inúmeras associações, conselhos e sindicatos de trabalhadores e profissionais de saúde, assim como de diversos pensadores (as) e pesquisadores do campo da Saúde Pública.
Com esse lastimável evento, tenta-se dar mais um largo e abusado passo rumo ao desmantelamento do Sistema Único de Saúde (SUS) como um direito universal do cidadão, pela via do direcionamento dos recursos públicos em saúde para a iniciativa privada. A apresentação feita por Alceni Guerra, ex-ministro da Saúde no governo Collor e ex-deputado federal pelo DEM, propõe, entre outros absurdos, a transferência de grande parte dos recursos do SUS para financiar a Atenção de Alta Complexidade nos planos privados de saúde. A Alta Complexidade compõe-se, essencialmente, por hospitais da assim chamada atenção terciária à saúde, através dos quais claramente o sistema privado pode obter seus maiores ganhos, em oposição à preferência por uma rede de saúde que se estruturasse prioritariamente com foco na atenção primária à saúde (APS). E isto se contrapõe à eficácia cientificamente comprovada do foco na APS, menos custosa financeiramente, dada sua resolutividade baseada na promoção à saúde e prevenção da doença.
Com o suposto “novo Sistema Nacional de Saúde”, grande parte da população deixaria de ser atendida de forma gratuita, dando-se grande ênfase à assistência promovida pelos planos privados de saúde. Obviamente, isto resultaria num duplo financiamento para estas empresas, que visam lucros abusivos utilizando os recursos públicos, já que estas receberiam diretamente dos beneficiários dos planos de saúde e também do próprio Estado, cujos recursos advêm de impostos pagos pela própria população que se utiliza dos serviços.
Não é de hoje que o SUS sofre com o subfinanciamento. Diversos estudos demonstram a necessidade de maior investimento para que pudéssemos atingir a almejada qualidade do SUS, que é mencionado como exemplo em muitos encontros internacionais sobre saúde pública: tanto por sua proposta, como também por realizações exitosas concretas. Sabemos, no entanto, da insistência na estratégia de sucateamento do SUS, reduzindo-se os recursos a ele destinados, o que é buscado desde sua implantação, por aqueles que visam apenas o lucro da iniciativa privada. Mas talvez jamais se tenha vista tamanha ousadia e velocidade na busca por sua destruição, como tem ocorrido agora, numa “onda” de acontecimentos que visam á derrubada de um Estado Democrático de Direitos. Como exemplo, temos a recente alteração da Política Nacional de Saúde Mental, apresentada pela Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Drogas deste mesmo Ministério da Saúde, a partir de dispositivos orientados pela lógica da segregação.
Com mais este golpe, busca-se canalizar os fundos públicos para o sistema privado e para os empresários da saúde, já não bastassem os subsídios tributários solicitados ao Estado, pelos planos de saúde privados. Para garantir seus interesses, ainda propuseram, no evento citado, que um Conselho Nacional de Saúde “Suplementar” passe a ter o mesmo poder do atual Conselho Nacional de Saúde, na tentativa de se enfraquecer a participação popular na formulação, acompanhamento e controle sobre as políticas públicas em saúde.
Não se pode esquecer que boa parte dos políticos que têm defendido fundamentalmente os interesses lucrativos dos próprios planos privados de saúde tiveram suas campanhas eleitorais financiadas pelos mesmos. Frente a esta “parceria” que visa à destruição dos ganhos históricos conquistados com a Reforma Sanitária e a Reforma Psiquiátrica, muito bem representadas pelo nosso SUS, nós, psicanalistas e cidadãos de um Estado Democrático de Direitos, não podemos novamente nos calar! Ainda mais num momento evidente de crise econômica e social, onde a chamada população “SUS dependente” cresce exponencialmente e onde aqueles que mais precisam ficarão sem ter acesso ao mínimo de assistência gratuita, caso tais propostas sejam aceitas. O “1º Fórum Brasil – Agenda Saúde: a ousadia de propor um Novo Sistema de Saúde” insere-se em um movimento cuja pretensão é que a saúde seja direito apenas daqueles que podem pagar o suficiente (que não é pouco!) por ela!”
Rede de Pesquisa Psicanálise e Saúde Pública
Comissão de Gestão
FCL-SP