Caros Amigos,
Suponho que todos vocês estejam mais ou menos a par dos acontecimentos que transtornam o Brasil há algumas semanas.
Vocês também sabem que, no mundo todo, as instituições e os princípios democráticos estão um tanto ameaçados de maneira assombrosa pela própria via do sufrágio universal, e não apenas pelo terrorismo.
No Brasil, há alguns anos estamos consternados com a corrupção do sistema, das instituições, dos dirigentes, da imprensa, e seus maus tratos para com o presente e o futuro deste país que já sofreu 20 anos de ditadura.
Há alguns meses estamos abalados pela desmesura da hostilidade e a manipulação maniqueísta da campanha pelas eleições presidenciais e legislativas de Outubro de 2018.
Se este pequeno candidato vociferante e arengueiro era risível, já não é mais o caso.
Esse candidato, Jair Bolsonaro, se gaba de admirar a ditadura, lamenta que ela não tenha livrado o país dos vermes, faz o elogio da tortura e de todos seus horrores, não tem vergonha de desprezar as mulheres (“vagabunda” “não merece que eu te estupre”) nem de depreciar e ameaçar os homossexuais; ademais, ele promete decisões econômicas retrógradas para o Brasil e para o planeta (o próprio gigante amazônico está na mira do pequeno capitão), ele ameaça diretamente os direitos humanos, adverte claramente que não respeitará os direitos adquiridos pelos trabalhadores e ameaça os indígenas de não poderem viver em suas terras. Os programas para a educação fundamental e universitária, a pesquisa e a ciência ultrapassam tudo que vocês possam imaginar de destruição de princípios e conquistas dos séculos passados.
Já há alguns dias estamos todos aturdidos, perplexos, aterrorizados. Ninguém podia prever a extensão dos acontecimentos atuais.
Desde o último domingo vivemos um fenômeno inverossímil que produz em todos os lugares a propagação de um estupor e um medo generalizados. De fato, se o voto popular tem dado a esse candidato uma improvável larga maioria, a legitimação de suas palavras de ordem pelo voto majoritário tem produzido uma inundação de passagens ao ato e de insultos em todas as esquinas, em todas as mesas familiares, em todos os grupos de amigos, em todas as classes sociais, em todas as regiões do Brasil.
O assassinato de um mestre de capoeira em Salvador dá a medida da violência das “represálias” que todos que se opõem a essa inundação estão em vias de sofrer.
A campanha de Jair Bolsonaro é comandada pelo chamado Bannon, responsável pela campanha de Trump, renomado ativista de extrema direita que usa da ciência informática dos robôs para invadir as redes sociais e, a golpes de fake news, manipular a opinião de maneira insidiosa e massiva. O suporte das grandes igrejas evangélicas majoritárias no Brasil também tem contribuído para o efeito de massa.
O resultado dessa operação colossal de manipulação eletrônica da psicologia de massa produz consequências absolutamente imprevisíveis em suas proporções deletérias e generalizadas.
Todos os lances são válidos, como por exemplo a circulação de vídeos no YouTube denunciando os psicanalistas, em particular os analistas lacanianos, sem falar da violência contra os homossexuais e contra qualquer um que pareça se opor ao main stream ideológico.
Grandes movimentos de solidariedade emergem por todos os lados. No entanto estamos muito inquietos quanto aos desdobramentos nas semanas e meses que se seguirão e boquiabertos de constatar que os poderes da palavra nos quais sustentamos nossa práxis não abalam em nada o poder dos insultos e das palavras de ordem.
Contamos com sua solidariedade.
Dominique Touchon Fingermann